terça-feira, 29 de maio de 2007

A Internacional Situacionista

por Celma Paese

A Internacional Situacionista era um grupo formado por jovens intelectuais que criticavam duramente o cotidiano da França Pós II Guerra Mundial; que para eles, era dominado pelo espetáculo, pela passividade e alienação da sociedade. Jappe ao contextualizar esse momento histórico, considera que as rápidas e profundas mudanças que a França sofreu nas décadas de 50 e 60 mostraram claramente os motivos que levaram esses jovens a questionarem os valores impostos em seu país pelo Plano Marshall. Em 1955, foram construídos em Sarcelles os primeiros grandes conjuntos habitacionais, que se propunham a ser "habitações de aluguel moderado" e que, mais tarde, se espalhariam por todos os subúrbios franceses. Além disso, o consumo de eletrodomésticos, a primeira transmissão de TV em 1953, e o aumento do número de estudantes secundários eram referenciais que mostravam a profunda mudança social que estava ocorrendo subitamente na vida dos franceses, que literalmente viram chegar seu país à modernização capitalista em tempo recorde.

Os jovens da I.S., que cresceram vendo seu país ser invadido, destruído e pilhado pelos nazistas, tornaram-se adultos muito rápido em um contexto onde a sobrevivência era a prioridade. Muitos deles tinham, como parte do seu cotidiano, testemunhado atrocidades contra seres humanos, em nome da faxina étnica promovida pelo regime de Hitler. Buscavam desesperadamente reconstruir suas identidades e mostrar ao mundo quem eles eram.
O Doutor em Nada, Guy-Ernest Debord (1931-1994), era o principal mentor intelectual da I.S. Nas palavras de Jappe, Debord era avesso às instituições e não se intitulava artista, intelectual ou ativista político. Basta dizer que, enquanto a futura elite preparava sua carreira na École Normale Superieure, onde Sartre havia sido um de seus mais brilhantes alunos, o jovem Debord preferia freqüentar os botecos evitados por todo o estudante respeitável, a alguns passos dali. Neste cenário, ele começou uma trajetória que deveria levá-lo também a exercer uma certa influência sobre o mundo. Teoricamente, Debord deveria estar do outro lado da rua. Vindo de uma família da elite francesa, teve uma educação que lhe proporcionou uma cultura sólida. Tinha como modelos Lautréamont – que havia sido elevado pelos Surrealistas ao supremo exemplo do homem que contesta os valores burgueses – e o pré-dadaísta Arthur Cravan. Debord não tinha a pretensão de dedicar sua vida a nenhuma arte em específico ou a algum estudo universitário e, influenciado pelo Dada e o Surrealismo, pretendia que as idéias voltassem a serem perigosas. Nasceu em 28 de Dezembro de 1931 em Paris e, até se suicidar em 1994, produziu livros, manifestos, textos, filmes, idéias e movimentos. Duro crítico da sociedade francesa do pós-guerra, que se curvava ao espetáculo do desenvolvimento proporcionado pelo Plano Marshall, buscou em sua juventude resgatar uma identidade que viu ameaçada com a invasão da cultura americana na Europa. Herdeiro do Dada e do Surrealismo, também foi o mais duro dos críticos destas idéias. Debord, além de dar forma à Internacional Situacionista, levou a França, juntamente com Jean-Paul Sartre, apesar de abominá-lo publicamente, ao movimento estudantil de 1968, o maior levante popular desde a Comuna de Paris, e também auge e marco do começo da decadência da I.S.

Os membros da I.S. acreditavam que a real satisfação dos desejos humanos só seria alcançada por situações criadas pela consciência desses, tendo a cidade como cenário. Radicalmente contra o funcionalismo abstrato proposto pela Carta de Atenas, a I.S. pretendia inovar a apropriação da cidade e propôs a apropriação e uso dos territórios através da participação ativa de seus habitantes através da prática da Deriva, um jogo cheio de aventuras. Tudo para a I.S. era arte e acreditavam que todos os elementos para uma vida livre estariam presentes na cultura e na técnica existentes, o que importava era ser criativo o suficiente para identificá-los e mudar seu sentido, de maneira conveniente a seus objetivos. Estas idéias, surgidas nos anos 50, desencadearam todo um processo onde o lugar da arte era contribuir para um novo estilo de vida, onde a aventura é o que importa. Nas palavras de Debord, "Aventureiro é quem faz as aventuras acontecerem, não mais aquele a quem as aventuras acontecem".

Jappe considera a afirmação acima contida em um dos números da revista Letrista Potlacht, como o resumo de toda a doutrina de Debord. Querem elevar a vida ao que a arte prometia, intensificando as sensações causadas pelas situações do cotidiano ao nível da criação artística, criando um novo urbanismo de ambiências apaixonantes.
Com certeza aqueles jovens, alguns franceses, outros vindos da África, Bélgica, Holanda e Rússia bebiam exageradamente e projetavam andanças sistemáticas chamadas derivas, só se deram conta do que provocaram na ordem do mundo anos depois. Todos eles tinham em torno de vinte anos. Publicavam revistas mimeografadas, onde discutiam idéias revolucionárias para as artes. A I.S. não era um movimento isolado. Na época, a Europa via vários grupos do gênero surgindo, que discutiam literatura, cinema, artes plásticas. Tentavam preencher a lacuna provocada pela II Guerra, resgatando e revendo conceitos que as Vanguardas da primeira metade do século haviam discutido.
A importância da I.S. foi justamente o questionamento destes valores e reconhecer, nesses novos fenômenos, os dados de base para uma nova revolução baseada na luta de classes.

E o grande questionamento do Grupo era: "Estes novos meios servirão para a realização dos desejos humanos?"
Naqueles anos, o capitalismo continuava a desenvolver suas forças produtivas e a distribuir seus resultados de modo não equitativo, como no passado. Insatisfeitos com a nova realidade e o futuro que vislumbravam, não achando graça nas meras opções consumistas que a ordem social lhes oferecia e convencidos que suas obras permaneceriam na história, os Situacionistas decidiram romper com todos esses valores que abominavam e "(...) Ao invés da vida morna que a sociedade lhes oferece, fundam sua epopéia em busca da paixão e da aventura."

Jappe chama atenção para o conceito-chave da construção do pensamento de Debord e seu grupo, o de "construção de situações", que não podia ser realizado a partir da afirmação de dogmas, mas sim pela busca e experimentação. Para isso, a construção consciente de novos estados afetivos era alcançada através da organização coletiva de uma ambiência, criada através de um jogo de acontecimentos. A superação da arte é a idéia principal, pois acreditam que toda a técnica artística depois de inventada reduz seus utilizadores a meros imitadores. Nesse momento surgiu o conceito de Decomposição que era o processo pelo qual as formas culturais tradicionais destruíam a si mesmas quando apareciam meios superiores de domínio da natureza, que permitiam e exigiam construções culturais superiores. Todo o Urbanismo Unitário baseava-se nesse Conceito. Essa teoria visava uma recriação global da existência através do emprego conjunto de artes e técnicas. Assim como a arte experimental era uma maneira de criticar as expressões artísticas consideradas convencionais, o Urbanismo Unitário era a proposta para mudar a maneira que as cidades destruídas pela II Guerra estavam sendo reconstruídas. Denominador comum de Cosio d’ Arroscia, o Urbanismo Unitário, abriria caminho para a nova civilização do lazer.

Gilles Ivain, escreveu em 1953 o texto Em Formulário para um novo Urbanismo, expondo a Teoria do Urbanismo Unitário. Para esse novo urbanismo, a arquitetura era a maneira mais simples de articular tempo e espaço, modulando a realidade e fazendo sonhar e influindo na satisfação dos desejos humanos. No futuro, a arquitetura mudaria o tempo e o espaço se tornando, através da técnica, uma forma de conhecimento e ação. Esta proposta, ao contrário da arquitetura estática que tentava em vão integrar novos mitos com a ciência, a fim de criar cenários sem ligação com o entorno e já mortos, buscava criar novos cenários moventes. A técnica, quando utilizada a favor destas idéias, permitiria que a arquitetura se tornasse mutante, através da interação de seus habitantes, que a modificariam segundo sua vontade. Esta civilização móvel experimentaria mil maneiras de modificar a vida em cada ambiência, revelando seus desejos e criando novos. Sendo um conceito mutante, esta nova visão de tempo e espaço nunca terminaria de ser formulada, pois a ambiência daria a liberdade de dar vazão à realização dos desejos, tornando as possibilidades infinitas. Os edifícios simbólicos representariam os desejos, forças e acontecimentos, passados, presentes e futuros e apareceriam novos motivos para a paixão, através da ampliação e da revisão dos significados das velhas instituições, como a religião, a psicanálise, e velhos mitos, a favor da arquitetura.

Esta cidade, que reuniria ambiências como um jardim chinês habitado ou uma reunião arbitrária de castelos, grutas, lagos e pontes, seria o estágio barroco do urbanismo e seus bairros teriam funções subjetivas, como para ser feliz, para se assustar, para viver em paz, para amar. A principal atividade de seus habitantes seria a Deriva Contínua, que mudaria a paisagem de hora em hora e levaria os habitantes á um completo desarraigamento. Em poucos anos, a Cidade dos Cenários Moventes se tornaria a capital intelectual internacional do mundo e, reconhecida como tal, atrairia tantas pessoas quanto lugares destinados a jogos banais, como Mônaco e Las Vegas.
Este interesse pelo urbanismo, surgiu a partir do interesse dos letristas pela Psicogeografia, o efeito que cada ambiência poderia ter nos diferentes estados de espírito:

Piranesi era psicogeográfico nas escadas.
Claude Lorraine era psicogeográfico nos palácios e no mar.
O carteiro Ferdinand Cheval é psicogeográfico na arquitetura.
Arthur Cravan é psicogeográfico na deriva acelerada.
Jacques Varché é psicogeográfico na indumentária.
Luís II da Baviera era psicogeográfico na realeza.
Jack o Estripador era provavelmente psicogeográfico no amor.
Saint-Just é um pouco psicogeográfico na política.(O terror é desorientador)
André Breton é ingenuamente psicogeográfico no encontro.
Madaleine Renieri é psicogeográfica no suicídio.(ver "Gritos a favor de Sade")
Finalmente, Pierre Mabille na recopilação de maravilhas, Evariste Gallois é na matemática, Edgar Poe na paisagem, e na agonia Villier de L’Isle Adam.

O grande jogo da Deriva Psicogeográfica pretendia transformar a vida cotidiana, com o objetivo de desnudar a cidade de maneira divertida. Algumas sugestões de ambiências ajudariam na prática destes jogos, como a abertura dos acessos aos telhados de Paris a noite para servirem de caminhos; ou o metrô continuar aberto depois do último trem, com uma iluminação de luzes débeis e intermitentes, para servir de passagem subterrânea; a destruição dos museus e a distribuição das suas obras de arte pelos bares, e assim por diante. Para haver total imersão no jogo da Deriva Psicogeográfica e manipular os sentimentos dos habitantes em um determinado espaço, induzindo ao estranhamento e desorientação através da criação de situações, seria necessário utilizar o afastamento:

Debord chamava o afastamento de "A linguagem fluida da anti–ideologia"; sua proposta era a apropriação e reorganização de elementos pré-existentes e buscava uma desvalorização de cada elemento autônomo – que podia chegar a perder seu sentido original - e o reorganizava em um novo conjunto, dando novos sentidos a cada um. Os quadros de Jorn, os filmes de Debord e o texto da Sociedade do Espetáculo, talvez sua maior contribuição para o entendimento de como funciona a nossa sociedade até hoje, onde várias citações clássicas são distorcidas, são exemplos da estética do afastamento.

Para Debord a noção de espetáculo refere-se ao modo alienado como a sociedade vivencia a cidade, em função da forma que a imagem dos elementos urbanos são percebidas. Segundo o autor, o espetáculo não reflete a sociedade em seu conjunto, mas as imagens são estruturadas segundo os interesses de uma parte da sociedade.
"A separação é o alfa e o ômega do espetáculo. (...) A origem do espetáculo é a perda de unidade no mundo, e a expansão gigantesca do espetáculo moderno revela a totalidade dessa perda: a abstração de todo trabalho particular e a abstração geral da produção como um todo se traduzem perfeitamente no espetáculo, cujo o modo de ser concreto é justamente a abstração.(...) O espetáculo nada mais seria do que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode ás vezes chegar a excessos".

Em A Sociedade do Espetáculo, Debord afirmou que, os fundamentos para o espetáculo seriam a incessante renovação tecnológica, o seccionamento de idéias e a fusão econômica-estatal. Em 1967, Debord distinguia duas formas de espetáculo: a concentrada e a difusa. A primeira destacava o culto às ditaduras, comum na época nos regimes totalitaristas da Europa oriental, como domínio ideológico garantido através da fusão econômica-estatal. A segunda instiga ao consumo de mercadorias, promovendo a renovação tecnológica para satisfazer um mercado geralmente encontrado em sociedades de democracia burguesa do tipo tradicional, como os Estados Unidos. Em 1987, Debord constata que existe uma terceira forma de espetáculo, o espetacular integrado que tende a se impor mundialmente. Cita como exemplo a França e a Itália que, segundo ele, possuem as seguintes características históricas comuns: papel importante de partidos e sindicatos de esquerda na vida política e intelectual, fraca tradição democrática, longa monopolização do poder por um único partido governamental, necessidade de acabar com a contestação revolucionária surgida de repente. A sociedade modernizada até o estágio do espetacular integrado se caracteriza pela combinação de cinco aspectos principais: a incessante renovação tecnológica, a fusão econômico-estatal, o segredo generalizado, a mentira sem contestação e o presente perpétuo.

Portanto, o progresso da técnica tornaria possível a superação e evolução dos conceitos da estética desde que colocados em uso de maneira adequada. Assim, os Situacionistas procuraram elevar a vida ao que a arte prometia e buscaram uma nova maneira de viver e não apenas descrever estas idéias.
Em 1959, Debord publicou a Teoria da Deriva na revista Belga surrealista Les Levrés Nues descrevendo a técnica da Deriva e sua prática:

Debord declara que o conceito de Deriva está indissoluvelmente ligado ao conhecimento dos efeitos do reconhecimento das possibilidades psicogeográficas de um lugar. Para isso, os praticantes da Deriva renunciavam, por um certo tempo, às suas atividades e companhias habituais, para entregarem-se às situações do terreno escolhido e aos encontros produzidos pelas variáveis psicogeográficas, que são as várias ações diretas das ambiências sobre a afetividade, como os microclimas e marcos urbanos que venham a encontrar em um determinado espaço. Na verdade, a Deriva era muito mais que uma técnica de rápida passagem e sim um comportamento lúdico-construtivo a fim de sentir as variáveis psicogeográficas e seus efeitos nas várias ambiências. As variáveis, que delimitavam os territórios psicogeográficos, eram determinadas pelos pontos fixos e seus habitantes, definindo o tempo e a natureza da prática em cada zona. Os obstáculos e atrações do terreno escolhido, elementos que determinam a análise ecológica de cada ambiência, como os microclimas, pontos de atração física e elementos de morfologia social, eram os determinantes para as situações de encontro que ocorrem durante o tempo de deriva. A contradição da Deriva encontrava-se em seu praticante conseguir conhecer e ter domínio das variáveis psicogeográficas, causadas pelos cortes no tecido urbano para poder calcular as reais possibilidades de sua prática. Portanto, a Deriva só poderia ser praticada em sua plenitude em terrenos já conhecidos, embora seja uma atitude de exploração e descoberta de possibilidades em uma ambiência.

O acaso na Deriva era colocado como um fator tão importante quanto a observação psicogeográfica, sendo que o progresso da ação era medido conforme consegue-se avançar através destes fatos, criando circunstâncias favoráveis para a continuidade do percurso e não deixando que a descoberta de atrações psicogeográficas fixasse o sujeito ou o grupo derivante em torno de eixos habituais onde andariam em círculos e fixariam hábitos, degradando o prazer destas ações para necessidades, impedindo a realização de desejos autênticos que só são possíveis de serem identificados com o controle de seu próprio ambiente e de todos os meios materiais e intelectuais, tornando possível converter todas as atividades produtivas em jogo. Sendo assim, toda a ação se tornaria uma aventura.

Debord criticou as deambulações surrealistas que ocorreram em campo aberto, limitando as chances da ocorrência de situações ocasionais típicas do espaço urbano e definiu a Deriva como o pólo oposto de tais aberrações, pois considerava que, deambular em campo aberto era naturalmente depressivo. Debord citou como exemplo a deambulação de 1923, que começou, como já descrevemos anteriormente, em uma cidade escolhida ao acaso e seguiu pelo descampado. Com esta afirmação, Debord ignorou textos surrealistas importantes como O Camponês de Paris de Aragon, Nadja e O amor louco de Breton, de caráter essencialmente urbano. Usou o exemplo de gerinos em um aquário circular para ilustrar a importância do isolamento de influências guias externos na experiência. Debord considerava os gerinos bem mais livres que os Surrealistas, pois estes no aquário poderiam ser independentes uns dos outros, livres em seu meio tanto social quanto sexualmente; e utilizou esse exemplo para justificar a prática da Deriva em grandes cidades industriais, uma ambiência em transformação constante cheia de possibilidades e significados, onde cada indivíduo tem a possibilidade de identificar suas reais necessidades, criando seu jogo particular. Ele considerava que o caráter urbano da Deriva em contato com as possibilidades e de significações que as grandes cidades transformadas pela indústria proporcionavam tinha relação com a experiência proposta pela frase de Marx:

"Os homens não vêem nada em torno de si que não seja o próprio rosto, tudo lhes fala dele mesmo. Até a paisagem é algo vivo."

Se Debord buscava responder a Marx através da Deriva, sua teoria servia para justificar sua busca pessoal: apesar das duras críticas aos Surrealistas, essa dimensão tornou-se implícita em toda a sua obra quando buscou, através das situações de jogo identificar-se com as diversas ambiências onde estes jogos eram propostos, enxergando a si mesmo em cada prática.

Debord ainda recomendou que a Deriva devia ser praticada em pequenos grupos de não mais que duas ou três pessoas para a prática não se fragmentar em derivas simultâneas e que essas estivessem no mesmo estado de consciência para haver a possibilidade de troca de experiências que ajudassem a chegar a conclusões objetivas. A duração média do exercício era de um dia, sendo este período calculado como o intervalo entre um período de sono prolongado e outro. O único horário não recomendado para sua prática era o final da madrugada. A prática consecutiva de vários períodos seguidos de Derivas, como quatro a cinco dias consecutivos, poderia dificultar a concentração dos praticantes na atividade, assim como estes esquecerem as sensações experimentadas nos primeiros períodos em deferência aos últimos, pelas novas condições objetivas de comportamento que fossem aparecendo. As condições climáticas variáveis seriam bem-vindas, com a exceção das chuvas prolongadas que tornariam a Deriva proibitiva.

O campo espacial da Deriva seria determinado a partir das possíveis atividades a serem desenvolvidas em um terreno e seus resultados afetivos desorientadores. Estes aspectos nunca ocorrem em estado puro por apresentarem diferentes interferências pessoais e de ambientes. Para haver um ponto de partida bastante claro e facilitar a desorientação pessoal, uma das práticas que os Situacionistas sugeriram foi o uso do táxi, comentado por Michele Bernstein:

(...) se durante uma deriva toma-se um táxi, seja para um destino certo, seja para um trajeto de vinte minutos na direção oeste, é sinal de que a busca é de uma desorientação pessoal. Se o que importa é a exploração direta de um terreno, aciona-se a pesquisa de urbanismo psicogeográfico.

O campo espacial da Deriva começava no ponto de partida estabelecido e nunca iria além de uma cidade e seus subúrbios, sendo determinado um mínimo de um bairro ou quarteirão. Em casos extremos, o mínimo seria uma deriva estática que ocorresse em uma estação de trens, por exemplo. Depois de estabelecido o campo espacial, as linhas de penetração eram determinadas pelo estudo de mapas convencionais, ecológicos ou psicogeográficos, podendo esses ser modificados ou melhorados durante a prática. No caso de bairros desconhecidos ou nunca percorridos, cada um intervém a sua maneira.

Em o Encontro Possível, outro tipo de prática de Deriva, a importância do campo espacial é mínima em relação à desorientação proposta. Um exemplo desta prática é determinar que um praticante da Deriva ou um grupo se dirija a um local pré-determinado, onde talvez esta pessoa encontre ou receba o telefonema de alguém que não conhece, que apareça ou não. O importante é prestar atenção e observar o entorno, que talvez possa dar novas pistas para o jogo de situações proposto. Isto pode ocorrer a partir de uma conversa com um desconhecido ou um telefone público que toca. No jogo do Encontro Possível o importante é prestar atenção na possibilidades de encontro inesperada, que se tornam quase que infinitas.

Debord ainda escreve que este estilo de vida também incluí criar algumas situações consideradas inusitadas e de má reputação como a exploração dos prédios em demolição, andar de carona sem rumo por Paris em uma greve de transporte com o objetivo de aumentar a desorientação, ou ainda vagar por subterrâneos e catacumbas fechadas ao público. Todas as sensações causadas por estas situações são as causadas pelas experiências de Deriva descritas acima, sendo que, o que poderia ser escrito sobre elas seriam apenas senhas para estes jogos.
"As lições da Deriva permitem estabelecer os primeiros levantamentos das articulações psicogeográficas de uma cidade moderna. Além do reconhecimento de unidades de ambiência, de seus componentes fundamentais e de sua localização espacial, percebem-se os principais eixos de passagem, as saídas e defesas. Chega-se à hipótese central de plaques tournantes psicogeográficas. Medem-se as distâncias que separam de fato duas regiões de uma cidade, distâncias bem diferentes da visão aproximativa que um mapa pode oferecer. É possível estabelecer – com a ajuda de velhos mapas, fotos aéreas e derivas experimentais – uma cartografia influencial que falta até o momento, e cuja incerteza atual, inevitável até que se efetue um imenso trabalho, não é pior que a dos primeiros portulanos e com uma diferença: não se trata de delimitar exatamente continentes duráveis, mas de mudar a arquitetura e o urbanismo".

Assim, mais uma vez é citado um objetivo para a aplicação desta teoria: redesenhar a cidade, a partir da análise das cartografias existentes e da utilização de cartografias influenciais, criadas a partir de derivas. Os diferentes microclimas, ambiências e bairros residenciais da cidade não estão devidamente definidos e são rodeados de zonas de fronteira que se estendem em maior ou menor graus. As mudanças que seriam propostas ajudariam a diminuir estas zonas até sua supressão completa através da prática de jogos que manifestariam a ação direta de cada ambiência sobre a afetividade dos participantes. O gosto pela deriva também possibilita explorar todos os tipos de labirintos gerados pela arquitetura, mesmo os mais inesperados, como a Deriva no interior de um apartamento.
A Deriva não tinha o objetivo de ser arte em si, mas sim de criar situações de arte. A psicogeografia seria uma prática geográfica afetiva e subjetiva que se propunha a cartografar as diferentes ambiências psíquicas provocadas pelas caminhadas urbanas que eram as derivas situacionistas. Debord negava terminantemente ser herdeiro dos surrealistas, mas é impossível ignorar sua ligação com idéias que Breton prenunciou quando, ainda nos anos 20 e 30 do Séc. XX desenhava mapas que exprimiam suas percepções subjetivas dos trajetos de suas deambulações.
Em 11 de Junho de 1954 na Galerie du Passage, os Letristas inauguraram a exposição das 66 metagrafias influenciais que tinham a intenção de concretizar representações dos espaços subjetivos das Derivas. Careri lembra que A Teoria da Deriva se propôs a "descrever uma cartografia influencial que até então não haveria existido", que já havia sido antecipada nos estudos de André Breton e que nessa mostra começava a se concretizar. As metagrafias influenciais de Gil J. Wolman eram colagens de imagens e frases recortadas de jornais. Em contrapartida, a de Gilles Ivain era uma planta de Paris com fragmentos sobrepostos de ilhas, arquipélagos e penínsulas recortadas de um mapa mundi. Os outros lugares estavam em toda a parte, incluindo Paris. Três anos mais tarde, em 1957, como documentos preparatórios para a fundação da Internacional Situacionista, Asger Jorn e Guy Debord prosseguem com seus livros Fin de Copenhagen e Memórias a direção das metagrafias. As manchas informais de Jorn simulam a costa dinamarquesa povoada por símbolos de consumo, enquanto os esboços de Debord, a meio caminho entre as memórias e amnésias urbanas, parecem trilhas de deriva que atravessam fragmentos da cidade.

Guy Debord novamente deu a forma final destas idéias, elaborando sua síntese: Guide Psicogeográpique de Paris, que foi o primeiro mapa psicogeográfico Situacionista assinado por ele. Aparentemente parece um mapa que se distribui para turistas, mas com a característica de incitar o usuário a perder-se, usando o imaginário do turismo e dispondo, em um grande vazio, fragmentos de ilustrações de monumentos e centros históricos sendo indicada sua conexão por um pontilhado de flechas, unindo as unidades de ambiência. Sua intenção é que a exploração da cidade deve passar pela experiência subjetiva de sentir cada lugar a partir das sensações que este induz em cada um.
No mesmo ano, Debord publicou mais um mapa, The Naked City: Illustration de l’hypothèse des plaques tournantes em psychogéographic, que talvez seja a melhor e mais famosa ilustração do pensamento urbano situacionista, a melhor representação gráfica da psicogeografia e da deriva, e também um ícone da idéia de Urbanismo Unitário. Sua estrutura é semelhante ao Guide Psicogeográphique e é composto por vários recortes do mapa de Paris em preto e branco, que são as unidades de ambiência, e setas vermelhas que indicam as ligações possíveis entre essas diferentes unidades. Entre elas, o vazio representa a amnésia urbana, propõe que a unidade da cidade só pode ser resultado da conexão das lembranças fragmentadas. A cidade forma uma paisagem psíquica construída ao redor de buracos: Há partes inteiras esquecidas ou deliberadamente eliminadas, com a finalidade de construir, nesse vazio, infinitas cidades possíveis. As unidades estão colocadas no mapa de forma aparentemente aleatória, pois não correspondem à sua localização no mapa da cidade real, mas demonstram uma organização afetiva desses espaços ditada pela experiência da deriva. As setas representam essas possibilidades de deriva. O título do mapa, The Naked City, também escrito em letras vermelhas, foi tirado de um film noir americano homônimo. O seu subtítulo, Ilustration de l’hypothèse des plaques tournantes, fazia alusão às placas giratórias (plaques tournantes) e manivelas ferroviárias responsáveis pela mudança de direção dos trens, que sem dúvida representavam as diferentes opções de caminhos a serem tomados nas derivas.

Aragon já fazia referência a Paris como sendo um imenso oceano de líquido amniótico onde formas de vida surgiam espontaneamente, assim como as ilhas e continentes já existiam nas metagrafias de Gilles Ivain. Mas a figura de referência do arquipélago só aparece claramente nos mapas de Debord, assim como muitos dos termos utilizados fazem referência a ele como as placas flutuantes, as ilhas, as correntes, os vórtices, e, sobretudo o termo Deriva.
As idéias da Deriva Situacionista tomaram forma nos projetos para a Nova Babilônia do arquiteto holandês Constant. Careri afirma que, enquanto nos mapas de Debord a cidade era um arquipélago, nos de Constant os pedaços se juntaram e formaram um grande campo para a Deriva. No texto "Outra cidade para outra vida", Constant contextualizou suas idéias sobre urbanismo a partir das teorias da IS. Suas idéias aproveitavam todas as possibilidades que as cidades existentes ofereciam para corresponder á uma nova dinâmica de vida, onde os comportamentos estão em constante mudança. Sua proposta é a socialização, opondo-se ao modelo modernista de cidade jardim com torres isoladas que isola seus habitantes. Ao visitar um campo de nômades numa terra que pertencia a Pinot-Gallizio, Constant encontrou um aparato conceitual completo com o qual sentiu ser possível refutar as bases sedentárias da arquitetura funcionalista e dar continuidade a conceituação do Urbanismo Unitário. No momento em que começou a trabalhar no projeto para os ciganos de Alba, ele rapidamente estava apto a imaginar a cidade designada para uma nova sociedade nomádica. As séries de modelos que construiu até meados de 1970 representavam a visão de um mundo que, depois da revolução, seria habitado pelo Homo Ludens. Este, livre da escravidão do trabalho, poderia explorar e ao mesmo tempo transformar a paisagem circundante e, em um grande trabalho coletivo do Urbanismo Unitário aonde os espaços iriam além da arquitetura, as novas sociedades nômades do futuro assumiriam a cidade como um grande playground de situações dos desejos humanos. Nestas sociedades, o conjunto de todas as artes construiria uma ambiência que seus habitantes redescobririam o prazer de construir seu próprio lugar de habitar e viver.

Em 1959, no Stedelijk Museum, Amsterdam, a IS apresentou o projeto de transformar algumas salas em labirintos com uma Deriva simultânea pela cidade, prenunciando a apresentação de Constant da Nova Babilônia, baseada nos princípios do labirinto mutante:

O labirinto como concepção dinâmica do espaço, oposto a perspectiva estática. Mas também e, sobretudo, o labirinto como estrutura de organização mental e método de criação.

Em 5 de Março de 1959, O diretor do museu aprovava, com restrições, o plano definitivo. Os Situacionistas transformariam as salas 36 e 37 do museu em um labirinto projetado pela seção holandesa da IS e variando seu percurso entre 200 metros e 3 quilômetros. O teto, tinha o pé direito variando de 5 metros a 1, 22 metros. Procurando misturar características climáticas internas e externas, haveriam efeitos especiais como chuva, vento e neblina. Também haveriam intervenções sonoras e provocações como portas que se abririam e fechariam sozinhas, aumentando as ocasiões de perder-se. Haveria também "obstáculos puros" como um túnel de pintura industrial de Pinot-Galizio e paliçadas desviadas de Wyckaert. Ao mesmo tempo, três dias de Deriva sistemática ocorreriam com dois grupos simultâneos que a praticariam na zona central de aglomeração da cidade. O percurso seria feito a pé ou de barco, dormindo nos hotéis do caminho. Os grupos se comunicariam com walkie-talkies, ainda havendo um caminhão-rádio, onde Constant, o líder da Deriva, acompanhado da equipe de cartografia, anotaria as trajetórias e daria eventuais instruções que fossem necessárias. Também caberia á Constant a preparação da experimentação de alguns locais e acontecimento secretamente dispostos. Perante as restrições impostas pelo diretor, a IS declinou da oportunidade e adotou em abril um outro projeto de labirinto, de autoria de Wyeckaert, profundamente modificado do projeto original, mas que deveria ser edificado em um terreno vago, na área central de uma grande cidade, a fim de ser ponto de partida de Derivas.

Mas este acidente de percurso não desanimou Constant que dentro de muito breve, no mesmo museu, faria sua apresentação histórica do projeto da Nova Babilônia.

Na revista Architectural Design, o historiador da arquitetura Mark Wingley descreve o momento em que, em 20 de dezembro de 1960, Constant escolheu revelar sua visão de uma Nova Babilônia para uma platéia no Stedelijk Museum em Amsterdam. Uma apresentação forte, com inúmeras imagens e planos acompanhados por uma trilha sonora ambiente, enunciaram uma figura assustadora e muito realística de um urbanismo a ser inteiramente consumido.

Constant entra e, em pé em frente ao projetor de slides e gravador com uma trilha sonora instigante descarrega uma apresentação de meia hora sobre "urbanismo unitário". O tom é militante: todos se tornam arquitetos, praticando um "urbanismo unitário" sem fim e de total abrangência. Nada será fixo. O novo urbanismo existe no tempo, é a ativação do temporário, do emergente e do transitório, do mutável, do volátil, do variável, do imediatamente satisfatório. Um vínculo intimador do desejo e do espaço produzirá um novo tipo de arquitetura para uma nova sociedade. À medida em que o mundo se torna uma única cidade vasta e em explosão, gradualmente a população tem menos e menos lugar para onde se mover, uma nova relação entre espaço e psicologia é exigida. Constant propõe que o que for perdido em espaço geométrico deve ser recuperado em forma de espaço psicológico. Para isso, uma forma especial de pesquisa deve ser desenvolvida, uma "psicogeografia" das influências inconscientes da atmosfera urbana. Alguns detalhes do projeto começam a emergir. Nova Babilônia deve ser uma cidade coberta, suspensa muito acima do chão em enormes colunas. Todo o tráfego de automóveis é isolado no plano do chão, debaixo de onde trens e fábricas totalmente automatizadas estão enterrados. Enormes estruturas de diversos níveis, de 5 a 10 hectares de área, amarradas juntas numa corrente que se espalha sobre a paisagem. Esta "expansão sem fim" do espaço interior é iluminada artificialmente e com ar condicionado. A seus habitantes é dado acesso a poderosos recursos de criação de ambiência para construir seus próprios espaços quando e onde eles desejarem. As qualidades de cada espaço podem ser ajustadas. Luz, acústica, cor, ventilação, textura, temperatura e umidade são infinitamente variáveis. Andares móveis, partições, rampas, pontes e escadas são usados para construir "autênticos labirintos das formas mais heterogêneas" em que o desejo interage continuamente.

Em junho de 1964, quatro anos depois da apresentação do Stedelijk Museum, a revista AD publica um artigo de Constant, proveniente de uma palestra conferida no ICA de Londres, onde é possível perceber uma notável mudança de rumo de seus pensamentos, que agora expressavam uma nova preocupação com a importância do jogo na cultura, numa referência ao Homo Ludens de Huizinga. Neste artigo, Constant comentava os problemas da cultura de massa a partir do início do século XX, na nova era da relação produção-trabalho. Ele então chamou a atenção para o fato de que, em teoria, não haveria ação reproduzível que não possa ser feita pela máquina, e por tal razão, a única atividade que permaneceria livre da automação era o ato da imaginação.

Dentro da nova lógica estabelecida de trabalho e uso do tempo livre, Constant pergunta como os homens do futuro utilizarão suas energias ilimitadas. Assim, ele compara o Homo Ludens de Huizinga ao Homo Ludens do futuro, a quem se dirige a Nova Babilônia: se antes o homem teria que viver sem contato com outros como única forma de manter a nova realidade que havia escolhido – e assim era reconhecidamente diferente de quem continuou sua vida "utilitária" normal – ao contrário, o Homo Ludens do futuro seria um homem comum, um tipo normal de ser humano que, no seu jogo existencial, construiria a realidade que ele desejasse. Isto significaria uma verdadeira revolução do comportamento social, em que as pessoas não estariam forçadas a produzir e trabalhar quando não o quisessem, sendo livres para circular, mudar de ambiente e expandir sua área, numa nova relação com o espaço, agora tão livre quanto sua relação com o tempo.

Nesse sentido, Nova Babilônia representa o contexto em que o Homo Ludens do futuro deverá viver, uma vez que somente um ambiente baseado não na utilidade, como têm sido as cidades até então, poderá corresponder às diferentes necessidades e à criatividade de cada um. As características de um cenário favorável a tal mudança de comportamento social que Constant propõe são as da flexibilidade, mutabilidade e movimento. Por isso é importantíssimo entender que a Nova Babilônia pode ser estruturada em qualquer lugar:


"Na Nova Babilônia, a urbanização consiste em um sistema coerente de unidades cobertas que chamo de setores, entre os quais há grandes espaços verdes abertos, onde ninguém mora e onde nenhuma edificação deve ser encontrada. Este sistema em rede é ilimitado e poderia, teoricamente, cobrir toda a superfície da Terra. Por causa do uso intensificado que é feito do espaço, cada campo individual de atividade praticamente não possui limites. O setor em si – cujas dimensões são muito maiores do que as das construções que hoje existem – é um sistema espacial de níveis que deixam o nível do chão livre para o tráfego rápido e intenso. No topo dessa estrutura deverão existir aeroportos ou heliportos para assegurar a passagem rápida para grupos de setores em outras partes do mundo. Os pisos dos setores são primariamente vazios. Eles representam uma espécie de extensão da superfície da Terra, uma nova pele que cobre e multiplica seu espaço de viver. O caráter não-funcional dessa construção tipo playground faz qualquer divisão lógica dos espaços íntimos sem sentido. Ao invés disso, nós devemos pensar numa disposição quase caótica dos espaços menores e maiores, que são constantemente reunidos e separados devido aos elementos da construção móvel estandardizada como paredes, pisos e escadas. Assim o espaço social pode ser adaptado a qualquer necessidade de mudança de uma população em constante mudança enquanto passa por um sistema de setores. Não estaria em questão nenhum padrão de vida fixo, uma vez que a vida em si seria um material criativo. [...] a vida na Nova Babilônia deveria ser essencialmente nomádica."

Constant também estuda a questão do espaço em relação ao movimento que é gerado a partir de seu uso:
No reino do Homo Faber o espaço é estático, este não pode perder tempo em deslocamentos porque precisa utilizá-lo ao máximo na produção. Ele valoriza cada vez mais o espaço, na medida em que alcança este objetivo. Segundo Constant, "Por este motivo, todas as concepções urbanísticas, até o presente, partem da orientação.". Fazendo um estudo a partir do labirinto, onde segundo Constat, " [...] a essência mesma do labirinto é circunscrever no menor espaço possível o mais completo emaranhamento de veredas e retardar assim a chegada do viajante ao centro que deseja atingir."

Constant define que um labirinto estático é um espaço onde a desorientação é perseguida conscientemente, os espaços são percorridos uma única vez, rapidamente, não havendo a possibilidade de mudança. Alguns labirintos mais sofisticados possuem armadilhas, como caminhos sem saída e pistas falsas, mas segundo o autor " [...] existe somente um único caminho correto, que conduz ao centro. Este labirinto é uma construção estática que determina os comportamentos." Por este motivo, torna-se um jogo previsível.

No reino do Homo Ludens, onde atividades lúdicas são elaboradas a partir da manifestação da criatividade das grandes massas, o espaço estático é incompatível com as constantes mudanças de comportamento que acontecem em uma sociedade sem trabalho. O espaço muda conforme os desejos de seus habitantes, porque ele se converte em um objeto de jogo [...] aventura e exploração. Não existindo a necessidade de deslocamentos rápidos, o espaço pode ser mais rico e mutante, com os usos intensificados, favorecendo a desorientação, tornando-o mais dinâmico. Portanto, em uma sociedade lúdica, a urbanização tenderá automaticamente ao caráter do Labirinto Dinâmico.
Constant assim define o Urbanismo Unitário, conceituando Labirinto Dinâmico:

"A liberação do comportamento exige um espaço social, labiríntico, e, ao mesmo tempo, continuamente modificável. Não haverá um centro que se deve chegar, mas muitos centros em movimento. Não se tratará mais de extraviar-se no sentido de "perder-se", mas no sentido positivo de "encontrar caminhos desconhecidos". O labirinto muda de estrutura com a influência dos extravios. É um processo ininterrupto de criação e desestruturação o que chamo de labirinto dinâmico."

Não se conhece nada sobre labirinto dinâmico. Entende-se que não se poderá prever ou projetar um processo desta natureza se ao mesmo tempo não se pratica, onde é impossível a sociedade conservar seu caráter utilitarista. A criação e a recreação continuam nos modos de comportamento que requerem a construção e reconstrução infinita de seu design.

O que foi feito da Nova Babilônia? Como enfocar estas idéias no mundo de hoje, onde muitos pensadores dão adeus às utopias e às possibilidades de uma transformação radical em nossa sociedade?

A história mostra que as idéias de Constant devem ser analisadas dentro do contexto histórico de sua época, que acreditava na a possibilidade de existir um futuro de sociedade socialista com recursos abundantes e máquinas que supririam a necessidade do trabalho braçal que propiciariam tempo livre de sobra para todos se divertirem e sonharem. Hoje os rumos tomados foram outros e, o que Careri chama de Transurbanidade é o viver a Cidade Nomádica, que surge quando os seus habitantes se movem por entre os espaços fractais da Cidade Estática com seus espaços urbanos policêntricos, alguns buracos nas ruas, espaços com carência de identidade, muros que circundam condomínios e alguns bairros com ruas arborizadas. Porém, se o Homo Ludens que existe dentro do Homo Sapiens, deixar o Homo Faber em casa e se propuser a praticar o jogo do Andare al Zonzo (andar sem rumo), modo de caminhar que provoca a mudança do olhar em relação ao entorno, as potencialidades lúdicas e a predisposição a jogos interativos com os espaços urbanos serão potencializadas e, sem a hipertecnologia e as megaestruturas propostas por Constant, a Nova Babilônia surge nos mares do Zonzo, mais precisamente naqueles espaços sem identidade, que interligam um centro urbano a outro: ao dar chance ao olhar de enxergar o incomum nesses vazios os mais diversos encontros tem chance de acontecer, através do jogo da nomádica trasurbância. Os corredores da Nova Babilônia surgem, na busca de novas propostas e posturas em relação a espaços que parecem perdidos. Vendo por esse viés, pode-se considerar que a Cidade Nomádica vive em osmose com a Cidade Sedentária, alimentando a esperança dos que se recusam a deixar de buscar maneiras diferentes de ver o mundo, ou mesmo de aqueles a que as condições de vida os obrigam. Na cidade perdida do nômade, encontra-se a chance da renovação, proposta pela Nova Babilônia.




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